O DIREITO DE AUTOR E SUA DISTRIBUIÇÃO NA RELAÇÃO DE EMPREGO (Parte 1)

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O DIREITO DE AUTOR E SUA DISTRIBUIÇÃO NA RELAÇÃO DE EMPREGO (Parte 1)

INTRODUÇÃO

A propriedade intelectual tem ganhado extrema relevância nas relações empregatícias.

Em especial naquelas notadamente marcadas pela constante inovação e criação exigidas diariamente.

Das principais dúvidas surgidas nessa relação entre empregador e empregado, senão a principal, é em relação a quem pertencem os Direitos de Autor.

Em um mercado competitivo e globalizado como o atual, é necessário trazer um pouco de luz ao tema, de maneira a que se tornem mais palpáveis as soluções a esse embate jurídico.

Nessa primeira parte do artigo será construído o cenário atual do Direito Autoral na relação de emprego, bem como estabelecidas premissas sobre essa relação jurídica pelo viés Trabalhista, de maneira que se compreenda toda a dificuldade do tema.

Na segunda parte do artigo serão abordadas as soluções mais adequadas na distribuição dos Direitos Autorais na relação de emprego, e conclusões para o cenário pós-pandêmico nessas relações entre empregador e empregado.

O CONTEÚDO DO DIREITO AUTORAL

O ser humano é marcado por uma capacidade intelectual pujante e que o permite a dar vida àquilo que imagina, de materializar o imaterial.

Como já escrevi nesse artigo, as criações humanas sempre tiveram a proteção autoral, ainda que pelo Direito Natural, antes de se positivar as regras estabelecidas pela sociedade.

No entanto, é inegável que, muito mais do que a questão pessoal de paternidade, importa ao autor os benefícios econômicos que a publicação da obra lhe traz.

Nesse ponto, é importante destacar que o Direito Autoral assume dois conjuntos de prerrogativas dadas ao titular: os direitos morais e os direitos patrimoniais.

A própria Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) reconhece esse binômio quando, em seu artigo 22, declara que

pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou”.

Explicando brevemente, os direitos morais são os vínculos que unem o criador à obra, sendo inalienáveis, enquanto os direitos patrimoniais são aqueles referentes à utilização econômica da obra, que pode ser transferida para terceiros.

Em uma outra oportunidade, será abordada com mais profundidade essa bipartição.

SUJEITOS DO DIREITO AUTORAL E A TITULARIDADE PARA EXPLORAÇÃO ECONÔMICA

A partir da compreensão de que existem dois aspectos do Direito Autoral a serem observados em qualquer situação (no caso específico, na relação empregatícia), surgem dois sujeitos de direitos: o autor e o titular de direitos.

Autor, como bem definido pela legislação, é o criador da obra literária, artística e científica. Não há dúvidas quanto a isso!

Titular de direitos autorais, como ensina MINHARRO[1] (p. 148), “é aquele que efetivamente tem o poder jurídico de utilizar, dispor ou gozar a obra intelectual”.

Assim, podem acontecer situações nas quais o autor será o titular exclusivo dos direitos relativos à obra, e outras em que um terceiro será o titular (terá o direito!) para exploração econômica da obra.

Vale destacar, também, que a titularidade pode ser originária (decorre da própria criação da obra) ou derivada (transferência dos direitos de autor por meio de contrato ou pela via sucessória).

É aqui, nesse ponto, que surgem as discussões acerca da relação de emprego e a titularidade dos direitos autorais: a quem pertencem os direitos autorais nesse caso?

ESTABELECENDO O QUE É RELAÇÃO DE EMPREGO

Existe um ditado no Direito do Trabalho que diz:

“Toda relação de emprego é uma relação de trabalho, mas nem toda relação de trabalho é uma relação de emprego.”

Para esse momento, importa apenas a delimitação do que se entende como relação de emprego, ou, relação empregatícia.

O ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Maurício Godinho DELGADO[2] (p. 501), ensina que relação de emprego:

“(...) é acordo de vontades, tácito ou expresso, pelo qual uma pessoa física coloca seus serviços à disposição de outrem, a serem prestados com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação ao tomador.”

Assim sendo, o empregado se encontra subordinado ao empregador, ou seja, o empregado encontra-se em estado de obediência hierárquica e sujeição à vontade alheia.

Aliás, o empregador é entendido pela legislação trabalhista como o empreendedor, individual ou coletivo, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.

Em que pese ainda existir uma corrente minoritária, contrária à existência de relação de emprego entre trabalhadores intelectuais e as pessoas jurídicas que os contratam, o fato é que tal possibilidade existe e é amplamente adotada pela jurisprudência e doutrina.

Considerando os graus e matizes permitidos pela subordinação jurídica em uma relação de emprego, MINHARRO (p. 165) explica que:

“A subordinação dos empregados contratados para criar obras intelectuais é, igualmente, relativa, ou seja, eles possuem liberdade para direcionar sua força de trabalho como bem entenderem, visando sempre ao fim almejado pelo empregador.”

É nesse contexto, de subordinação jurídica, que se pode estabelecer os efeitos da titularidade dos direitos de autor na relação empregatícia.

DISTRIBUIÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS ENTRE EMPREGADO E EMPREGADOR

Sem adentrar em todo arcabouço histórico (apesar de sua relevância!), nesse momento importa ressaltar que foi, somente a partir deda década de 70, do século passado, que o legislador brasileiro tomou as primeiras medidas para estabelecer um regramento sobre os direitos autorais em uma relação de trabalho (lembrando, gênero!).

A Lei nº 5.988/73, antecessora da atual Lei de Direitos Autorais, dispunha em seu artigo 36 que, salvo convenção em contrário, obras intelectuais produzidas em cumprimento a dever funcional ou contrato de trabalho, os direitos autorais pertenceriam ao empregado e ao empregador.

Tal foi a desídia do legislador na elaboração do texto legislativo, que a norma trouxe mais impasses que soluções.

Por esse motivo, e por ser tão difícil encontrar uma solução viável e justa para as partes, é que a Lei nº 9.610/98 (lei vigente!) não trata sobre a distribuição de direitos autorais nas relações de emprego.

Optou, o legislador, não trazer para a lei especial esse tema.

Não existe, na verdade, nenhuma lei que estabeleça corretamente a distribuição de tais direitos sobre obras criadas sob vínculo empregatício.

É preciso um esforço hermenêutico para sistematizar e ajustar os casos individualmente dentro de uma melhor aplicação da lei.

Nesse cenário se tem duas situações distintas para distribuição dos direitos autorais, e que serão abordadas na segunda parte desse artigo.

 

[1] MINHARRO, Francisco Luciano. A propriedade intelectual no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2010.

[2]



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