A prensa de Gutemberg e seu impacto para o Direito Autoral

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A prensa de Gutemberg e seu impacto para o Direito Autoral

O ser humano tem como um de seus caracteres distintivos dos demais seres vivos, a sua capacidade intelectual de criação, de inovação, de fabricação.

É, pois, de sua natureza, um poderoso intelecto criativo e a capacidade de dar vida àquilo que imagina, de materializar o imaterial.

Por ser a criatividade inerente à natureza humana, é também da natureza o direito à autoria.

Desta forma, suas criações sempre tiveram proteção autoral, ainda que pelo Direito Natural de forma não específica.

Para CERQUEIRA[1] (1982, p. 141):

É um direito inato e tão absoluto que o autor pode conservar em sua mente ou, pelo menos, inédita, por toda a vida, a sua criação, como pode destruí-la antes de divulgada. Por isso pensamos que a propriedade do autor é de Direito Natural, não dependendo de lei positiva, senão na sua regulamentação.

O Direito Autoral, como o conhecemos hoje, foi criado a partir de um momento histórico que é marcado pelo surgimento da impressão de livros em massa.

Pode-se dizer que a história do Direito Autoral tem dois períodos: o “antes” da prensa de Gutemberg e o “depois” da prensa.

ANTES DA PRENSA DE GUTEMBERG: SANÇÕES MORAIS E AUSÊNCIA DE UMA LEI AUTORAL.

O Código de Hamurabi (1750 a. C.), um dos primeiros conjuntos de regras jurídicas, dispunha em uma de suas passagens que se um artesão tivesse adotado uma criança e lhe tivesse ensinado o seu ofício, ele não poderia ser tomado de volta.

Vê-se que desde aquele tempo o conhecimento intelectual, a autoria de determinada criação do espírito humano, já era protegido. Tanto em sua paternidade, quanto em seu aproveitamento econômico.

Também na Grécia Antiga, ainda que não houvesse norma legal que impusesse sanções aos usurpadores de obras, havia uma forte sanção moral na sociedade.

Sobre esse fato menciona MANSO[2] (1987, p. 9):

A consciência, porém, de que essas coisas incorpóreas haveriam de ser reconhecidas como bens de seus autores sempre existiu. [...] Ainda que não houvesse norma legal que instituísse alguma punição contra as violações daquilo que haveria de ser direito dos autores das obras intelectuais, sempre existiu a sanção moral, que impunha o repúdio público do contrafator e sua desonra e desqualificação nos meios intelectuais.

Naquele momento histórico da humanidade, não havia a produção em escala industrial e muito menos o interesse na exploração econômica das obras intelectuais.

As criações literárias e artísticas tinham como fim principal a expressão cultural dos povos.

É no Direito Romano, com Marcial usando de analogia pretória, que surge o entendimento do que é chamado de plágio.

MANSO (p.10) ensina que se tratava da “subtração fraudulenta, furtiva, de coisa alheia, fazendo-a passar como própria, visando a alcançar glórias e até prêmios nos concursos que se realizavam publicamente”.

Vê-se, portanto, que a apropriação era da obra pronta e não da ideia e sua repetição em centenas ou milhares de cópias, com fins de exploração econômica.

Buscava-se, sim, a glória.

A PRENSA DE GUTEMBERG: Das primeiras leis à que está vigente no Brasil

Até meados do século XV, reproduzir uma obra literária era extremamente difícil. Isto porque os manuscritos eram copiados à mão e, também, porque as pessoas alfabetizadas eram poucas, tornando pouco lucrativa a reprodução de uma obra para sua venda.

Um fato histórico, no entanto, dá uma guinada nas intenções mercadológicas das obras literárias.

Era a época do Renascimento, um movimento revolucionário que rompia com a tradição medieval e trazia novas tendências artísticas, culturais, tecnológicas e medicinais.

Foi um período marcado pelo aumento da produção intelectual, impulsionada, principalmente, pela máquina inventada por um impressor alemão.

Johann Gutemberg revoluciona uma técnica antiga de impressão e cria um processo de impressão de tipos móveis de metal. Um processo que ficou conhecido como a prensa de Gutemberg.

Com letras e símbolos em relevo esculpidos em metal, essa invenção permitiu a publicação em massa de livros.

Como se depreende da obra da Unesco[3] (p. 14)

Com o aparecimento da prensa para imprimir, o custo de fabrico dos livros diminuiu e tornou-se mais fácil obtê-los. Esta inovação permitiu imprimir e reproduzir um número considerável de exemplares de um manuscrito e difundi-los entre o público. Como resultado disso, as obras de criação intelectual tornaram-se objecto de transacções comerciais e fonte de lucro para os seus autores.

O clero, que se confundia com o Estado em quase todo o continente europeu, logo percebeu o poder desta inovação e viu uma possibilidade de fortalecimento de seu poder político e social através da difusão em massa de obras com as ideias clericais.

Os soberanos, então, para garantir os lucros, criaram privilégios e concediam estes a determinados impressores. Surge, na Inglaterra, o copyright.

VIEIRA[4] (p. 20) relembra:

Com o aumento das vendas de livros proporcionado pela redução de custos, a grande mudança para o direito autoral foi o surgimento de dois novos personagens: o impressor e o livreiro, bem como o advento do lucro para essas figuras. Nesse ponto da história ficou claro que tal lucro não vinha da produção material e venda de produtos, mas sim de algo que nasce da criação intelectual de uma pessoa: o autor que na época não tinha qualquer proteção legal sobre sua obra.

Eis, então, que surge a necessidade em se criarem leis que protegessem de forma mais específica os direitos autorais.

Tal é a importância do direito de autor, que a ele foi concedido lugar enquanto Direito Fundamental do homem na Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada no ano de 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas. O direito é consagrado no artigo 27:

27: 1. Todo o indivíduo tem o direito de tomar livremente parte na vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar no progresso cientÍfico e nos benefícios que dele resultam. 2. Todo o indivíduo tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção científica, literária ou artística de que é autor.

No Brasil, a primeira tutela do privilégio aos autores é data de 1827, com a Lei de criação das Faculdades de Direito de Olinda e de São Paulo. Mas é no ano de 1898, com a Lei 494 (Lei Medeiros de Albuquerque) que se tem um tratamento mais abrangente do tema.

Houve inúmeras leis e decretos tratando do tema ao longo dos anos, até a promulgação da Lei nº 9.610/98, que trouxe avanços à proteção autoral e mantém-se vigente até os dias atuais.

Portanto, no Brasil, o Direito Autoral é um direito previsto expressamente na Constituição Federal (art. 5º, XXVII) e em lei especial, que garante ao autor o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras.

Como e quando são exercidos esses direitos, é assunto para outro artigo.

CONCLUINDO

O objetivo desse artigo foi o de apresentar um pouco a história de como se formou o Direito Autoral, bem como demonstrar que o Direito, como ciência, é impactado e ajustado às realidades da sociedade.

Uma criação revolucionária abriu uma perspectiva jamais imaginada pelos autores e filósofos da antiguidade.

Pequenos atos, fatos ou ideias, podem mudar o rumo da humanidade e da história.

Ao pisar na Lua em julho de 1969, Neil Armstrong disse:

“É um pequeno passo para um homem, um grande salto para a Humanidade”

 

[1] CERQUEIRA, João Gama. Tratado da propriedade industrial. v.I São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982.

[2] MANSO, Eduardo J. Vieira. O que é direito autoral: coleção primeiros passos, nº 187. São Paulo: Ed. Brasiliense S.A., 1987.

[3] UNESCO. O ABC do direito de autor. Lisboa: Editorial Presença, 1984.

[4] VIEIRA, Alexandre Pires. Direito Autoral na Sociedade Digital. 2ªed. São Paulo: Ed. Montecristo, 2018. Edição do Kindle



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