Se você é empreendedor(a), tenho certeza que já foi abordado(a) uma dezena de vezes sobre a necessidade de registrar a marca de seu produto ou serviço. Talvez, ativamente, buscou saber sobre o assunto assistindo a vídeos ou lendo artigos.
Na grande maioria das vezes esses vídeos e artigos abordam o tema sob o viés da propriedade da marca, de se tornar única naquele segmento de mercado e, finalmente, de confrontar a concorrência desleal ou parasitária.
Sem dúvida, pontos fundamentais para qualquer empreendimento quando pensamos em ativos do negócio.
Fato é que, sem o registro da marca, não há a proteção máxima da lei.
Mas há uma outra faceta na legislação marcária que é tão (ou talvez mais...) importante quanto o aspecto patrimonial para o(a) empreendedor(a).
Esse outro lado da moeda é uma abordagem pensando na proteção aos consumidores!
É o que podemos chamar de Função Social da marca.
Como será visto a seguir, a Lei nº 9.279/96 tem extensa proteção aos consumidores e é obrigatório que essa proteção seja observada pelo(a) empreendedor(a) e, principalmente, pelos profissionais criativos contratados para a criação da marca e da identidade visual do negócio como um todo.
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
Antes de avançarmos sobre a função social da marca, é preciso compreender o que é essa tal Função Social.
O princípio jurídico da Função Social da propriedade surgiu com a Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 5º, inciso XXIII, dispõe que a propriedade atenderá sua função social.
Por esse princípio jurídico pode-se entender que ao proprietário é atribuído o dever (a obrigação!) de fazer uso de seus bens (propriedades) obedecendo parâmetros legais e morais estabelecidos, no intuito de contribuir para o interesse coletivo.
Ou seja, você tem garantido e resguardado seu direito à propriedade privada, mas deve exercer os direitos de propriedade de maneira adequada à sociedade, principalmente no que concerne à sua exploração econômica, sob pena de perder tais direitos (e a propriedade).
A propriedade privada, então, perde o seu caráter de direito absoluto, sendo relativizado diante do princípio da função social da propriedade.
Estamos diante de uma construção de direitos constitucionais que já está completando 35 anos!!!
Não deveria ser surpresa para ninguém essa relativização do direito de propriedade.
No ano de 1996, o Congresso Nacional, ao editar a Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), incorpora o princípio da função social às marcas e patentes, quando dispõe que a propriedade irá considerar o seu "interesse social" (art. 2º, caput).
A FUNÇÃO SOCIAL DA MARCA E PROTEÇÃO AOS CONSUMIDORES
O conceito doutrinário do que é marca traz intrínseca sua função social.
Para o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), marca é:
"todo sinal distintivo, visualmente perceptível, que identifica e distingue produtos e serviços, bem como certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas."
Ou seja, a marca tem como função social distinguir um produto ou serviço de seus concorrentes, de forma a permitir que o consumidor escolha aquele de sua preferência, sem que seja induzido em erro.
A partir desse ponto de convergência, não é mais possível destacar a função social da marca e a proteção aos consumidores.
Toda a construção legal é pautada fortemente nesse sentido. Inclusive, a não observância dessa proteção ao consumidor leva uma marca a não ser registrável (a não ser possível obter sua propriedade).
Veremos alguns exemplos destacados do artigo 124 da Lei nº 9.279/96, que tornam a marca irregistrável:
- V - reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos;
- IX - indicação geográfica, sua imitação suscetível de causar confusão ou sinal que possa falsamente induzir indicação geográfica;
- X - sinal que induza a falsa indicação quanto à origem, procedência, natureza, qualidade ou utilidade do produto ou serviço a que a marca se destina;
- XIII - nome, prêmio ou símbolo de evento esportivo, artístico, cultural, social, político, econômico ou técnico, oficial ou oficialmente reconhecido, bem como a imitação suscetível de criar confusão, salvo quando autorizados pela autoridade competente ou entidade promotora do evento;
- XVII - obra literária, artística ou científica, assim como os títulos que estejam protegidos pelo direito autoral e sejam suscetíveis de causar confusão ou associação, salvo com consentimento do autor ou titular;
- XIX - reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia;
É facilmente percebida a preocupação do legislador em (1) não apenas defender o proprietário contra a concorrência desleal e/ou parasitária, mas também em (2) fazer com que a aquisição da propriedade da marca observe sua função social, seu "interesse social".
Aliás, é importante lembrar, também, que aquele que reproduz, sem autorização do titular, marca registrada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão, estará cometendo crime previsto em lei, podendo responder com a pena de detenção por até 01 (um) ano, ou pagando multa (art. 189, I, da Lei nº 9.279/96).
CONCLUSÃO
A função social, o respeito aos consumidores e observância da lei de propriedade industrial devem ser pilares na idealização e construção de uma marca, tanto por empreendedores(as) quanto por profissionais de criação.
Para empreendedores(as), ter a marca construída sobre esse pilar de segurança jurídica a tornará um ativo patrimonial importante do negócio.
Para profissionais de criação, observar essas regras jurídicas é fundamental para a entrega de um serviço de excelência e de destaque em relação aos concorrentes.